Quatro poemas indianos | Tagore | Música de Câmara
Excerto da entrevista conduzida pelo Prof. Doutor Luís Esteves
1 de Agosto de 2007
Diário do Minho
suplemento da edição n.º 27849
Comecemos pelo fim… Recentemente, em Roma, foi apresentada em estreia absoluta mundial a obra Le forme dello Spirito, um projecto de diálogo inter-religioso entre as religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Que significa para si esta obra arrojada e inesperada?
Antes de mais, faço questão em dizer que esta obra nasceu sem eu ter pensado sozinho, no sentido de surgir de um desafio lançado por um tenor italiano meu amigo, insistindo para que eu escrevesse algo para ele cantar. Ficou combinado satisfazer-lhe o pedido. Isto em 12 de Junho de 2003… Nesse mesmo dia, ainda em Roma, comecei a obra, após ter visitado a exposição de Arte Sacra do Sul de Portugal a decorrer em Santo António dos Portugueses, onde me foi oferecido o Catálogo dessa mesma Exposição. Aqui encontrei o texto e o próprio título dessa mesma obra: Le forme dello Spirito… Será mesmo um trabalho arrojado e inesperado? Penso que não, nem quanto ao texto, nem quanto à linguagem musical. A obra articula-se em três partes: a primeira com texto de Isaías, a segunda a partir de um texto de S. Paulo e a terceira com um texto do Corão. Na verdade, o arrojo e o inesperado poderiam estar nesta terceira parte. Mas, após o Concílio Vaticano II, esse mesmo texto, que antes poderia ser polémico, insere-se agora, perfeitamente num projecto de diálogo inter-religioso entre religiões monoteístas. É certo que alguém terá encontrado, inicialmente, problemas na junção destes textos (que na verdade, não foi minha), mas finalmente e de bom grado aceitou trabalhar e dar o máximo brilho às Forme dello Spirito.
Esta obra tem alguma relação com o concerto promovido pela RAI em homenagem ao Papa do diálogo Paulo VI, que esteve presente, e aos Padre Conciliares, realizado em Roma a 12 de Junho de 1966?
Penso que sim, no sentido de poder ter sido hipoteticamente uma obra a inserir no programa desse concerto, a que chamaram ecuménico. Na verdade, lá estavam os ortodoxos com Igor Stravinsky, os protestantes com Sibelius, os judeus com Darius Milhand e os católicos com G.F. Malipiero. Nesse mesmo programa, não destoariam Le Forme dello Spirito, como elemento de um projecto de diálogo inter-religioso entre as religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo.
Tem escrito obras inspiradas em textos bíblicos, como, por exemplo, Prologus 6 impressões sobre o Evangelho de S. João. Como funciona esta simbiose, este intercâmbio entre o texto literário bíblico e a composição musical?
O texto literário, regra geral, é usado na composição musical como parte integrante da mesma, seja cantado, declamado, etc. pela voz humana. É dele que a música deve nascer, atendendo a determinados princípios, como a acentuação ou fraseado; o contrário é que não: primeiro a música e depois o texto – isso de maneira nenhuma! – tanto na música sacra como na profana. Quando o texto é bíblico ou de carácter religioso, ou não, e usado para criação de música pura (isto é, sem texto a ser executado), virá a constituir uma “fonte de inspiração” para o compositor, na medida em que irradia impressões, reflexos e ideias para a criação musical, sem que esta venha a tornar-se um retrato do mesmo texto literário. Passando pela serenidade e criatividade do artista, capazes de encontrar e acolher as sublimes mensagens que esses textos encerram, e transmiti-las, através do som, levam certamente o carácter pessoal no inesperado, no encantamento e na escrita do próprio compositor.
E ultrapassou as fronteiras das religiões monoteístas musicando poemas de Tagore. Porquê?
Se ultrapassei ou não as fronteiras das religiões monoteístas, os próprios textos, melhor do que eu, o poderão revelar. De qualquer modo, trata-se de Poemas que possuo desde 1968 e que já li e reli muitas vezes. Esperei apenas pela ocasião certa para musicá-los. Em nota à publicação de 4 Poemas Indianos, agora referidos, escrevi: “Foram eles que me apontaram o caminho para, discretamente, acompanhar o sonho, o encantamento, a gratidão e o louvor de Tagore, rumo ao infinito…”. Usei mesmo, nesta composição para soprano solista, clarinete, saxofone e piano, dois temas gregorianos: Veni Sancte Spiritus e Te Deum laudamos, pois parecem sublinhar todo o sentido transcendental de uma “amorosa mensagem de uma remota terra…”.
Como é que alguém que vive e refere sempre na produção das suas obras a Casa da Casinha em Moimenta, Cavez, Cabeceiras de Basto, sugerindo o apego telúrico aos confins do berço, tem um olhar tão universal, católico?
Seria de estranhar que um católico, como eu sou, não fosse realmente universal! A verdade é esta: cada um gosta sempre de estar onde se encontra bem! É este de facto o meu caso. Aqui no meu “convento” há paz, há silêncio, há paisagem a perder de vista: ao fundo, a Senhora da Graça – a Noiva do Marão –; ao lado, mais acima, o Alvão; e mais ainda, no topo da minha aldeia, as lindas e imponentes encostas do Barroso! Lá em baixo, corre o Tâmega rumo ao Douro… aqui trabalho, desde manhã cedo, apegado, naturalmente, à minha Casa da Casinha, fazendo com imenso gosto o que, musicalmente e não só, de mim pretendem e está ao meu alcance. A universalidade do meu olhar, atrás sublinhada, vem certamente de longe, ainda dos tempos de estudante de Roma, já lá vão uns quarenta anos! Dou como exemplo o seguinte: o primeiro trabalho meu, feito em concerto, foi A Corda Tensa que Eu Sou, do nosso poeta Sebastião da Gama (para coro e piano), foi tocado pelo grande amigo Luca Lombardi, ateu. Na casa Ricordi, na secção de discos, o grande especialista, quanto à edição dos mesmos, era também um outro amigo, protestante. Houve sempre entre nós o máximo respeito e uma profunda amizade que ainda hoje perdura. O facto de assinar os meus trabalhos, referenciando a Casa da Casinha, é só por uma questão de respeito e veneração pela sua linda idade: 304 anos!
entrevista completa
Quatro poemas indianos (2006) - para voz recitante e canto, violino, clarinete (2), saxofone (alto e soprano) e piano
Rabindranath Tagore (1861-1941)
Poesie, da Collana Fenice, nº 47, de Augusto Guidi e Elsa Soletta - Itália – 1961
I. Il mondo è nato dalla grande gioia
II. La luce d'innumeri giorni 02:30
III. Ricevuto ho in questa vita il dono del bello 07:05
IV. Di fronte si stende l'oceano di pace 11:38
Ilaria Patassini - soprano e voz recitante
Nora Tabbush - soprano
Yakov Marr - violino
Vítor Matos - clarinete
Domingos Castro - clarinete
Luís Ribeiro - saxofone alto e soprano
Ângelo Martingo – piano
Gravado ao vivo na Igreja de Santo António dos Portugueses em Roma no dia 23 de Fevereiro de 2008 (IPSAR)