[2002.OUT.02] Barítono português canta Manuel Faria e Joaquim dos Santos | Diário do Minho

pontos de vista…

Na Roma Eterna, não na portuguesa…

Na igreja de Santo António dos Portugueses em Roma, teve anteontem lugar um concerto em que foram executadas músicas de dois compositores bracarenses: o Cónego Doutor Manuel Faria, falecido em 1983, e o Doutor Joaquim dos Santos, [felizmente vivo e presente aqui em Roma].

Em estreia mundial, o barítono José Carlos de Miranda, ligado a Braga por razões de estudo e de percurso de vida, interpretou a “Sinfonia do Silêncio” de J. Santos, obra para barítono, violino e órgão.

Giampaolo di Rosa, organista honorário da Igreja-mãe de Aprilia e professor de órgão e de improvisação na Escola de Artes do Porto da Universidade Católica Portuguesa, e Riccardo Bonaccini, violinista, ambos jovens, mas com uma carreira internacionalmente já consagrada, foram os acompanhantes da bela e forte voz de J. Carlos de Miranda.

Manuel FariaO concerto integrou as seguintes obras de Manuel Faria: “Ó sino da minha aldeia” e “Canção da vida” (textos de Fernando Pessoa"), “Jerusalém do Alto”, “Eu sei que o meu Redentor vive” e “Atei os meus braços”, que são verdadeiras árias, interpretadas mais que uma vez pelo J. Carlos de Miranda, em vários locais da Europa e, desta vez, acompanhado a piano ou órgão pelo Giampaolo.

O mesmo barítono interpretou duas árias de J. Rodrigues Esteves do “Stabat Mater”, uma ária do “Te Deum” de M. Portugal, a “Senhora do Almurtão” de C. Carneyro, “Fim há-de ter desgosto” de Lopes-Graça e a “Virgem Dolorosa” de Joly Braga Santos.

O Giampaolo executou em piano a II Suite inglesa em lá menor de Bach e o violinista Bonaccini executou a “Gavotta” de Bach.

Foi um concerto memorável por se tratar da estreia da “Sinfonia do Silêncio” com a presença do padre Joaquim Santos, acompanhado da sua irmã D. Maria.

A letra desta obra é uma poesia de Fernando Martins, sacerdote de Vila Real, nascido a 8.9.1930 e falecido a 30.1.1999 e que recebeu a influência de um sobrinho neto de Camilo Castelo Branco, o padre Luís Castelo Branco, que era pregador por aquelas regiões.

Eis a poesia:

Vai longa a noite, não vislumbro nada,
E a dura via-sacra continua.
Há só uma verdade nua e crua:
Não há Páscoa, nem rompe a madrugada.


Há, porém, cá no fundo, uma alvorada,
Invisível, em pleno Sol, na rua,
Mas palpável, pois fortemente actua,
Mesmo dentro de uma alma amargurada.


Tem sabor a Sexta-Feira Santa.
E, apesar desta dor ser tal e tanta,
Dá lugar para entrar na sinfonia
Do silêncio que tanta gente canta,
Com a voz atravancada na garganta,
Mas na esperança do Eterno Aleluia.

Este concerto com músicas de Joaquim Santos e Manuel Faria não é o primeiro. Desde Junho de 2000 já aqui se fizeram mais de seis concertos com músicas destes ilustres sacerdotes da Arquidiocese de Braga, por iniciativa do actual reitor da Igreja de Santo António, monsenhor Agostinho Borges, que foi aconselhado pelo Isaías Hipólito, ex-seminarista de Braga e ex-aluno do Doutor Joaquim Santos.

No próximo dia 22, nesta mesma igreja, escutar-se-á uma obra para piano de Joaquim Santos - “Prologus. Impressões sobre o Evangelho de São João”, executada pela pianista Ana Telles, doutoranda na Sorbonne na classe da viúva de Olivier MessiaPe. Dr. Joaquim dos Santosen, que interpretará seis peças para piano de Messiaen.

O concerto de ontem foi quase uma repetição do que acontecera no dia 18 deste mês em Aprilia, a poucos quilómetros de Palestrina. E veio-me à ideia o Doutor Manuel Faria que considerava Palestrina o músico que traduziu Trento em música, pai da polifonia vocal juntamente com J.S.Bach, luterano, pai da polifonia instrumental. Vejam bem: Manuel Faria, acusado por alguns de sectário e retrógrado, tinha uma hermenêutica musical ecuménica, católica-universal… A arte, e a música em particular, une o que os homens dividem e põem em oposição. E não foi Manuel Faria que orientou já nos anos recuados de 1978-1979 o Jorge Barbosa num trabalho sobre a Teologia da Música de Messiaen?…

Acrescento apenas que no dia 17 deste mês, ainda na igreja de Santo António, dois irmãos, Mauro e Álvaro Lopes Ferreira, tocaram violino e piano. São filhos de pais portugueses, mas vivem em Roma, e o Mauro até aqui nasceu. Na Roma Eterna há portugueses que se afirmam.

Infelizmente, tive que deslocar-me aqui para ouvir o que desejaria ouvir na Roma Portuguesa. Mas graças a Deus, no deserto das polémicas, no inverno das indiferenças, no inferno das hostilidades, experimenta-se o paraíso, ou uma antecipação, uma prolepse do que será o banquete escatológico.

Mas se o «banquete está pronto», pronto a ser servido, onde estão os primeiros convidados? «Era a vós que se destinava em primeiro lugar» o banquete, mas como o fastio vos tira a fome, a outros é dada a graça de se sentar à mesa. E «a sala encheu-se» e eu estava lá…

Aos alunos que me esperam, digo que estou a ler o “Mactub” de Paulo Coelho (uns contos sapienciais e didácticos a modo dos contos hassídicos) e “Verso Gerusalem” de Carlo Maria Martini, que tem – na palavra de um jornalista - «o perfil de um antigo profeta» e, para mim, a sabedoria de um santo e a santidade de um sábio…

PS – A imprensa local e nacional têm feito eco muito positivo a estes acontecimentos. Se fosse um jogo de futebol entre equipas portuguesas e italianas, haveria enviados especiais. Assim, «roba da matti»!… Arrivederci, da Roma.

A. Luís Esteves

Terça-Feira, 22 de Outubro de 2002

Diário do Minho

Capa de CD do concerto em questão!

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