Pode haver compositores bracarenses por conhecer…

2009-11-22

autor
Rui Serapicos

João Duque, professor na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, fala ao Correio do Minho na qualidade de membro do grupo coral Cappella Bracarensis, do qual já foi director artístico. Este antigo aluno do compositor Manuel Faria frequentou em Santo Tirso o Colégio das Caldinhas, onde estudou órgão e composição. Nunca deixando de praticar o canto, fez cursos de direcção coral e dirige coros desde os 16 anos. Ainda hoje, quando pode, volta a Monção para dirigir o coro Deu la Deu.

Falando do Cappella Bracarensis, conta-nos que “temos pesquisado nos arquivos, por exemplo, para os concertos da Semana Santa, obras de autores portugueses, sobretudo do século XVIII e do século XIX, que não estão publicadas, que estão nos arquivos e na prática são interpretadas em primeira audição, conta o nosso interlocutor, acrescentando que “também já executámos obras, das poucas que se conhecem, de uma escola que terá havido aqui à volta da catedral, no final do século XVI para XVII. No início de 1600 há três ou quatro compositores que são conhecidos”.
Dá como exemplo o caso do Lourenço Ribeiro, um compositor do final do século XVI, “e do qual se conhece uma Missa de Requiem bastante concentrada, que nós já executámos mais do que uma vez”.
Possivelmente, admite, haverá obras desses compositores no Arquivo da Sé de Braga. “Este arquivo precisa de ser organizado para a investigação. Eu sei que se está a pensar nosso e poderá ser que nos próximos anos haver surpresas em relação a isso. Em Portugal, da época é muito conhecida a escola de Évora, mais tarde um pouco a escola de Coimbra.
A de Braga não marcou ainda presença mas eu penso que pode ainda vir a marcar”.


Correio do MinhoO Cappella Bracarensis não tem prevista a gravação de um registo discográfico?
João Duque — À partida não. Hoje em dia é muito fácil gravar um cd. Os grupos amadores vão gravando cds de qualidade média. Nós consideramos que estar a acrescentar mais um cd com músicas já conhecidas e de qua-lidade média não adianta nada ao mercado. Faríamos um cd se tivéssemos condições para um trabalho de qualidade superior, de qualidade profissional, e com obras desconhecidas. Por sinal, temos acesso a obras deconhecidas, inclusivamente de compositores bracarenses e da região do Minho, que executamos.
Pode dar exemplos?
Sim, o caso do Joaquim Santos. Há obras que praticamente só nós é que executamos até hoje. Tirando um ou dois grupos. Algumas foram escritas propositadamente para o Cappella Bracarensis. Há outras de Manuel Faria, que já foram executadas por mais alguns. E são obras que não estão gravadas e que deveriam ser gravadas. Mas para gravar com qualidade profissional exigida implicaria um impacto muito forte no grupo. No Cappela Bracarensis ninguém é profissional.
Consideram que não têm qualidade quanto baste para fazer um registo?
A esse nível não. Poderíamos ter a nível de um registo de divulgação mas penso que não vale a pena porque há muita coisa.
Nem existe da vossa parte vontade de aumentar a qualidade no sentido de poder corresponder a esses níveis de exigência?
Poderia haver esse desejo. Mas nós encontramo-nos num certo limite. A partir daqui para a frente teriam que ser membros mesmo profissionais, o que significaria abdicar de alguns trabalhos para se dedicarem mais intensamente a este projecto. Ora. isso implicaria fundos para pagar essas horas e isso de facto não temos nem estamos estruturados para isso. Grande parte dos nossos elementos são amadores no sentido genuíno do termo: são amantes da música: estão aí pelo gosto de cantar. Mesmo assim já há muita dedicação, mas é no limite.
Mesmo assim, o grupo vai sendo muito solicitado para actuações...
De ano para ano vai crescendo. Já começa a ser difícil cruzamento de agendas.
De onde vos chegam, predominantemente, os convites?
Em geral, são concertos culturais. Sobretudo são entidades ligadas à cultura; câmaras municipais, e muitas vezes ligadas à Igreja: paróquias, igrejas onde construíram ou montaram um órgão de tubos e nós vamos lá para a inauguração desse órgão. Também em homenagem a compositores. No Caso de Manuel Faria ou Joaquim Santos. Aconteceu assim pouco tempo após falecimento de Joaquim Santos, com a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto. E tem sido essencialmente na região. De vez em quando pode haver uma solicitação ou outra para a zona de Lisboa, em contexto académico, mas nem sempre é possível, dadas as ocupações dos membros do grupo.
Com que regularidade é que ensaiam?
O ensaio é semanal. Uma vez por semana, à noite. Para o nosso repertório é suficiente. Temos todos uma capacidade de leitura razoável. Se tivéssemos de gravar já teríamos de passar para mais ensaios e depois as gravações implicam dias seguidos, em estúdio, para fazer as coisas como deve ser.
O vosso repertório assenta fundamentalmente em música sacra?
Não sei qual e a percentagem, mas penso que a maioria é de facto música sacra, até pelas solicitações, que têm sido muito para igrejas. Também temos de admitir que as melhores acústicas são as das igrejas. De tal maneira que devido ás solicitações, como as da Semana Santa em Braga, vamos construindo um repertório sacro todos os anos. Em Tibães nestes dias a nossa opção é por um programa profano desde o século XV até à actualidade. Temos repertório para dois concertos completos, uma hora e meia a duas horas de música.

Escola renascentista de Braga ainda é pouco estudada.
“Procuramos sobretudo músicas não executadas de compositores portugueses”, conta-nos João Duque, sugerindo que da época renascentista pode haver obras a descobrir em Braga.


Que música profana interpretam?
Desde a profana renascentista à profana contemporânea, por exemplo, composições do Zeca Afonso.
Também algumas das mais conhecidas?
Sim. A ‘Canção de Embalar’, por exemplo, ou o ‘Menino do Bairro Negro’. Não somos um grupo constituído para a música sacra, mas as solicitações é que nos têm levado nesse sentido. Na medida do possível, nós procuramos executar músicas de todas as épocas e países. Executamos música europeia, de Bach, por exemplo. Mas procuramos sobretudo músicas não executadas de compositores portugueses. Temos pesquisado nos arquivos, por exemplo, para os concertos da Semana Santa, autores portugueses, sobretudo do século XVIII e do século XIX, que não estão publicadas, que estão nos arquivos e na prática são interpretadas em primeira audição.
A que arquivos recorre?
Há vários. O Arquivo de Coimbra, a zona de Cernache, o Arquivo Distrital de Braga, o Arquivo da Sé. Também já executámos obras, das poucas que se conhecem, de uma escola que terá havido aqui à volta da catedral, no final do século XVI para XVII. No início de 1600 há três ou quatro compositores que são conhecidos.
Pode dar alguns exemplos?
Sim. O caso do Lourenço Ribeiro, por exemplo, que é um compositor do final do século XVI e do qual se conhece uma Missa de Requiem bastante concentrada, que nós já executámos mais do que uma vez.
Contemporâneo de D. Diogo de Sousa?
Posterior. Mas terá beneficiado dos efeitos do D. Diogo de Sousa que trouxe para Braga a passagem da música renascentista para a polifonia portuguesa. E é uma música que está bastante desconhecida. Possivelmente, haverá obras desses compositores no Arquivo da Sé de Braga. Este arquivo precisa de se organizado para a investigação. Eu sei que se está a pensar nosso e poderá ser que nos próximos anos haver surpresas em relação a isso. Em Portugal, da época é muito conhecida a escola de Évora, mais tarde um pouco a escola de Coimbra. A de Braga não marcou ainda presença mas eu penso que pode ainda vir a marcar.
Esse tipo de pesquisas faz parte também das acções desenvolvidas pelo Cappella Bracarensis?
Não temos nenhum musicólogo no grupo. Estas coisas que vamos executando são fruto do trabalho de musicólogos feito há algum tempo. O que vamos sabendo tem sido transcrito por um professor da Universidade de Évora, João Pedro Alvarenga que, no tempo em que nós éramos estudantes de música ele me arranjou transcrições que ele próprio fez aqui em Braga. Penso que será possível fazer mais. Há protocolos e apoios para se voltar a trabalhar um pouco mas a fundo este espólio.
Trata-se de material que interessa mesmo para investigações do âmbito académico?
Sim. Ao nível de doutoramentos. Quem quiser fazer investigação tem de ver se há material para isso. Várias peças de compositores bracarenses desse período foram executadas num concerto por ocasião do Euro 2004, por iniciativa do Turismo. Nesse concerto, uma arte foi órgão, pelo titular da Sé de Braga, o organista italiano Giampaolo di Rosa.
De outros períodos, como o século XVIII e século XIX, a fase romântica, há compositores daqui de Braga que sejam conhecidos?
Não tenho conhecimento. Há uma ‘Paixão’ do século XIX segundo o rito bracarense. Não se sabe se terá sido composta aqui em Braga. Penso eu que chegou cá por via dos arquivos de Cernache. Musicalmente, o nosso século XIX é pobre por várias razões. Rico, rico é o século XVIII, no período barroco e clássico. Desse tempo executámos o stabat matter inteiro de João Rodrigues Esteves, um barroco a transitar para o clássico, que já executámos mais do que uma vez. O autor escreveu essa obra para órgão e coro. Nós executamos numa versão para orquestra de cordas e resulta muito bem. Noutras áreas, há mais do século XX. E desses não temos muito. De Manuel Faria temos uma fase que é uma espécie de transição do romantismo para o contemporâneo. Depois temos outras peças que são muito exigentes para o público por serem difíceis de audição.
Que percepção têm do público que vos acompanha? Têm um público já mais ou menos fidelizado?
É preciso ter paciência, com em tudo, penso eu, porque de facto o público musical em Braga tem sido diminuto (já foi mais) mas com este grupo temos visto que há cada vez mais: de u concerto para o outro vemos cerca de cinquenta por cento do público que esteve no concerto anterior.
Mas sentem que existe empatia? Que existe interacção?
Sim. Daquele grupo, há gente que já ouviu o Cappella Bacarensis e vai continuando. Há outras pessoas que, embora andemos a cantar desde 1997, nunca ouviram e quando ouvem pela primeira vez ficam entusiasmados porque é um grupo com bom efeito sonoro.
Com um nível não profissional, mas dentro do seu estilo com qualidade.
Também atinge público menos erudito com o repertório popular?
Sim. Embora os compositores do século XX, Manuel Faria e Joaquim dos Santos sejam compositores de topo a nível nacional e até são conhecidos e executados em Roma e em França. E têm uma certa variedade de obra. Têm obras mais populares e outras mas a rondar a vanguarda musical. Executamos algumas obras coras dentro dos limites das nossas possibilidades e tendo também em conta as capacidades de audição do público a quem nos dirigimos.

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