"Já sou apenas Som"...24 de Junho de 2008
in memoriam de Joaquim Gonçalves dos Santos
(Vilela, Cabeceiras de Basto, 13.04.1936 – Moimenta, Cabeceiras de Basto, 24.06.2008)
"Talvez começar por dizer que a morte de Joaquim dos Santos é a negação da própria morte. É-o para os crentes, para aqueles que o conheciam como padre e homem de crença profundamente cristã, comungando com ele a fé na vida eterna, a verdadeira vida que alcançamos depois da vida. Como também o é para os que não crêem, mas que o recordam como maestro de uma obra musical ímpar, prolífica e cheia de uma qualidade inspirada, de uma qualidade intocada, de uma qualidade verdadeiramente artística e excelente.
Joaquim dos Santos, Doutor Joaquim dos Santos, Padre Joaquim dos Santos, Maestro Joaquim dos Santos, permanece assim na memória e nas orações, e a sua obra, como a sua fé, granjeiam-lhe a eternidade.
E é, contudo, com um sentimento de tristeza e de perda que falamos de Joaquim dos Santos, que para além de artista e de membro da igreja, era um grande homem, um ser humano de excepcional bondade e gentileza e alegria e inteligência, destes que fazem realmente falta ao mundo. Eternidade rima, no seu caso, com saudade.
Outros lhe fizeram a biografia e o ensaio crítico, outros lhos farão, como é devido. Nós queremos-lhe fazer uma homenagem toda humana, recordar o poeta que tomou como mote, logo no início da sua carreira sacerdotal e musical, quando estudava em Roma no Instituto Pontifício de Música Sacra, os versos de Sebastião da Gama:
A corda tensa que eu sou,
o Senhor Deus é quem
a faz vibrar…
Ai linda longa melodia imensa!…
- Por mim os dedos passa Deus e então
já sou apenas Som e não
se sabe mais da corda tensa…
Recordar o poeta que escolheu, quando se lhe ofereceram as posições de relevo em âmbito profissional e artístico, quando se lhe abriam as portas do mundo, a fuga do mundo, recolhendo-se nesse pedaço de paraíso onde viveu toda a sua vida – a Casa da Casinha, em Cabeceiras de Basto – tendo por companheira e amiga a sua irmã, Mariazinha, e nos últimos anos um cão que, de tão fiel, morreu no mesmo dia do dono.
Recordar, enfim, o poeta que de música teceu a sua poesia, e que à Roma da sua juventude e dos seus anos de formação regressou no final da vida, edificando aquela que será, provavelmente, a parte mais significativa, interessante e eminente da sua obra, o auge da sua maturidade artística e humana, indissociavelmente ligada à igreja nacional de Santo António dos Portugueses.
Muitas vezes, a criação da sua música era como que a sublimação do som das palavras. A ligação do Maestro Joaquim dos Santos à poesia foi fortíssima desde o exórdio romano (1963-1968) quando ousou apresentar no concerto anual do Pontifício Instituto de Música Sacra uma composição para coro e piano – o piano era então considerado um instrumento pouco adequado para a música religiosa – baseada em Sebastião da Gama. “A corda tensa que eu sou” foi apresentada a 22 de Maio de 1966, executada pelo coro dos alunos do Instituto e pelo pianista Luca Lombardi, dirigidos pelo próprio compositor.
Foram depois inúmeras as vezes que recorreu às palavras para compor. Era aquilo a que chamava as suas “ousadias”. Tal foi o caso das cantatas “A Noiva do Marão” e “Santo António dos Portugueses” e do oratório “Travessia”, construídas sobre poemas do bispo de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, e todas três apresentadas em Santo António dos Portugueses. Recordamos também os poemas de Miguel Torga trazidos a Roma pelo Ançã-ble Vocal (27.04.2002) e todas aquelas composições baseadas em textos bíblicos, geralmente concebidas para o serviço religioso e divulgadas durante anos na Nova Revista de Música Sacra e em Música Nova, publicações periódicas que fundou e com as quais colaborou assiduamente.
A par do canto gregoriano, que veio estudar a Roma e cujos ecos sentimos em muitas das suas composições, outra fonte de inspiração primordial eram as melodias populares, recordação que vem das origens rurais em que a música fazia parte do quotidiano, no trabalho e na festa, e das tradições da sua própria família. Daí serem Cantigas da “Minha Terra” e “Viva a pândega” as primeiras obras que apresenta publicamente, ainda no tempo de frequência do Seminário Conciliar de Braga (18.03.1961) e toda uma vasta produção posterior, que tem um duplo e importantíssimo objectivo.
Por um lado, aquele da recolha etnográfica de temas tradicionais, passados informalmente de geração em geração, e por isso em perigo de se perderem; a sua fixação qualificada na pauta musical, e os arranjos que lhes fez posteriormente, adquirem assim um valor de conservação histórica, mas também o de inspiração de obras inovativas, na linha do que fizeram os maiores compositores portugueses do século XX. Por outro lado, e aqui se revela um generoso aspecto pedagógico e de incentivo das artes, as obras do Maestro eram feitas com o intuito de serem executadas, independentemente das capacidades técnicas dos executantes. Por isso, por longos anos, toda a sua produção foi considerada “menor”, associada redutoramente às suas numerosas composições para banda e para a liturgia. Um artista de grande fôlego criativo, mas que nunca se coibiu de escrever música para todos, de qualificar a vida dos mais humildes com a sua música, dedicando-lha e oferecendo-lha.
O encontro com Santo António dos Portugueses permitiu a Joaquim dos Santos, também neste capítulo, dar mostra da sua imensa capacidade inventiva, ilustrada e popular em simultâneo. Os responsórios para coro e órgão “Christus factus est” e “Crucem tuam” trazidos pelo Ançã-ble em 2001, o “Prologus, 6 Impressões musicais do Evangelho de S. João” executados pelas pianistas Ana Telles em 2002 e Rosa Villar Córdova em 2003, ou as 4 canções populares portuguesas (“Ó tia Aninhas”, andantino, “Espadeladas”, moderato assai, “Debaixo da oliveira”, andante cantabile e “O ratinho malcriado”, allegro grazioso) tocadas pelo Quintetto Metamorphosis em 2004 são disto exemplo. Pondo em destaque as raízes populares, eles são sem dúvida peças de música erudita, interpretada por instrumentos eruditos, em ambiente e para um público erudito.
Mas o encontro com a igreja nacional de Roma, feito através do seu reitor, Monsenhor Agostinho da Costa Borges, com quem estabeleceu rapidamente uma amizade profunda, constituiu em muitos outros aspectos um momento altíssimo na carreira de Joaquim dos Santos. Este fez-se através de Isaías Hipólito, aluno de Joaquim dos Santos no Seminário Conciliar de Braga, que orientara como organista e director os serviços litúrgicos da igreja de Santo António dos Portugueses, enquanto estudava em Roma, no final da década de 90.
A sua primeira obra executada na via dei Portoghesi foi, a 10 de Junho de 2000, “Lamentações do Profeta Jeremias”, pela então denominada Capela Musical de Santo António dos Portugueses, dirigida pelo Maestro Massimo Scapin. Assim se iniciava uma colaboração intensa, que não só o induziu a criar obras propositadamente para a igreja dos Portugueses, mas a fazê-lo muitas vezes em ocasiões de especial relevância dentro da agenda cultural da instituição, como fossem os dias de Portugal e das Comunidades Portuguesas, na festa do patrono, Santo António, ou nas celebrações da Imaculada Conceição.
Quatro anos após a sua estreia em Santo António, pelo dia de Portugal, Joaquim dos Santos trouxe em primeira audição um “Concerto per pianoforte ed orchestra”, executado por Ana Telles e pela Orchestra Nuova Amadeus dirigidas pelo Maestro Jean-Sébastien Béreau – um desafio lançado directamente pela pianista e pelo maestro ao compositor, que o aceitou. Para celebrar o patrono da igreja compôs a cantata “Santo António dos Portugueses”, em 2002 (com a participação do barítono Ettore Nova e a direcção de Anne Randine Overrby), a sinfonia “Roma Eterna”, em 2003 (direcção de Ovidiu Dan Chirila), e o “Concerto para violino e orquestra”, em 2005 (com o jovem Emanuel Salvador). Enfim, por ocasião da Imaculada Conceição, vieram a cena “A Noiva do Marão” em 2000, “Carmen Fatimale” e “Arma virosque” em 2005, “Le forme dello spirito”, em 2006 e o “Concerto per violoncello e orchestra”, em 2007 (com o violoncelista Simonpietro Cussino).
Estes e outros artistas que executaram obras de Joaquim dos Santos – e muitos houve para quem o Maestro escreveu propositadamente, tais como Giampaolo Di Rosa, Vítor Matos e Domingos Castro para não repetir nomes – recordam como na vida do Maestro música e amizade andassem a par: tantas amizades nascidas através da música e tanta música inspirada pelas amizades. A generosidade que o distinguia transpunha-se para a pauta; de facto, são propositadamente reduzidas as suas notações agógicas, dando oportunidade aos músicos de participarem na sua criação artística, interpretando mais livre e individualmente as linhas máximas da melodia que compusera. A música era princípio e fim e veículo das suas emoções, e por isso lhe era fácil fazer amizades através da música.
E talvez porque pusesse “a sua alma de sacerdote em cada coisa que fazia”, como costumava dizer, a música (princípio e fim e veículo das emoções) era matéria do seu máximo rigor e respeito enquanto expressão de uma inspiração divina, a “corda tensa” por onde passavam os dedos de Deus. E era assim que o seu trabalho se desenvolvia, amorosa e aturadamente, matutino, quotidiano, grave, ao som das águas correntes que atravessam os fundamentos da casa paterna, no seu escritório debruçado sobre o verde total do Minho, o Tâmega a correr em baixo e ao fundo a “Noiva do Marão”, o Santuário de Nossa Senhora da Graça, que lhe inspirou em 99 a magnífica cantata. O trabalho a par das orações que fazia regular e canonicamente, na capela dessa mesma casa
Em Roma permanece a recordação quase meia centena de obras apresentadas em oito anos, a maioria das quais em estreia absoluta em Santo António dos Portugueses, compostas propositadamente para esta igreja e para os seus artistas, a um ritmo admirável e inspirado, como se nele houvesse a percepção de que o tempo era escasso e precioso. Meia centena de obras correspondentes a cerca de trinta deslocações do compositor e de sua irmã à via dei Portoghesi, onde se sentiam bem, como em casa própria. Concertos que não esquecemos, em que não esquecemos esse grande homem, simples e genial, que falava com o seu sorriso."
(Vilela, Cabeceiras de Basto, 13.04.1936 – Moimenta, Cabeceiras de Basto, 24.06.2008)
"Talvez começar por dizer que a morte de Joaquim dos Santos é a negação da própria morte. É-o para os crentes, para aqueles que o conheciam como padre e homem de crença profundamente cristã, comungando com ele a fé na vida eterna, a verdadeira vida que alcançamos depois da vida. Como também o é para os que não crêem, mas que o recordam como maestro de uma obra musical ímpar, prolífica e cheia de uma qualidade inspirada, de uma qualidade intocada, de uma qualidade verdadeiramente artística e excelente.
Joaquim dos Santos, Doutor Joaquim dos Santos, Padre Joaquim dos Santos, Maestro Joaquim dos Santos, permanece assim na memória e nas orações, e a sua obra, como a sua fé, granjeiam-lhe a eternidade.
E é, contudo, com um sentimento de tristeza e de perda que falamos de Joaquim dos Santos, que para além de artista e de membro da igreja, era um grande homem, um ser humano de excepcional bondade e gentileza e alegria e inteligência, destes que fazem realmente falta ao mundo. Eternidade rima, no seu caso, com saudade.
Outros lhe fizeram a biografia e o ensaio crítico, outros lhos farão, como é devido. Nós queremos-lhe fazer uma homenagem toda humana, recordar o poeta que tomou como mote, logo no início da sua carreira sacerdotal e musical, quando estudava em Roma no Instituto Pontifício de Música Sacra, os versos de Sebastião da Gama:
A corda tensa que eu sou,
o Senhor Deus é quem
a faz vibrar…
Ai linda longa melodia imensa!…
- Por mim os dedos passa Deus e então
já sou apenas Som e não
se sabe mais da corda tensa…
Recordar o poeta que escolheu, quando se lhe ofereceram as posições de relevo em âmbito profissional e artístico, quando se lhe abriam as portas do mundo, a fuga do mundo, recolhendo-se nesse pedaço de paraíso onde viveu toda a sua vida – a Casa da Casinha, em Cabeceiras de Basto – tendo por companheira e amiga a sua irmã, Mariazinha, e nos últimos anos um cão que, de tão fiel, morreu no mesmo dia do dono.
Recordar, enfim, o poeta que de música teceu a sua poesia, e que à Roma da sua juventude e dos seus anos de formação regressou no final da vida, edificando aquela que será, provavelmente, a parte mais significativa, interessante e eminente da sua obra, o auge da sua maturidade artística e humana, indissociavelmente ligada à igreja nacional de Santo António dos Portugueses.
Muitas vezes, a criação da sua música era como que a sublimação do som das palavras. A ligação do Maestro Joaquim dos Santos à poesia foi fortíssima desde o exórdio romano (1963-1968) quando ousou apresentar no concerto anual do Pontifício Instituto de Música Sacra uma composição para coro e piano – o piano era então considerado um instrumento pouco adequado para a música religiosa – baseada em Sebastião da Gama. “A corda tensa que eu sou” foi apresentada a 22 de Maio de 1966, executada pelo coro dos alunos do Instituto e pelo pianista Luca Lombardi, dirigidos pelo próprio compositor.
Foram depois inúmeras as vezes que recorreu às palavras para compor. Era aquilo a que chamava as suas “ousadias”. Tal foi o caso das cantatas “A Noiva do Marão” e “Santo António dos Portugueses” e do oratório “Travessia”, construídas sobre poemas do bispo de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, e todas três apresentadas em Santo António dos Portugueses. Recordamos também os poemas de Miguel Torga trazidos a Roma pelo Ançã-ble Vocal (27.04.2002) e todas aquelas composições baseadas em textos bíblicos, geralmente concebidas para o serviço religioso e divulgadas durante anos na Nova Revista de Música Sacra e em Música Nova, publicações periódicas que fundou e com as quais colaborou assiduamente.
A par do canto gregoriano, que veio estudar a Roma e cujos ecos sentimos em muitas das suas composições, outra fonte de inspiração primordial eram as melodias populares, recordação que vem das origens rurais em que a música fazia parte do quotidiano, no trabalho e na festa, e das tradições da sua própria família. Daí serem Cantigas da “Minha Terra” e “Viva a pândega” as primeiras obras que apresenta publicamente, ainda no tempo de frequência do Seminário Conciliar de Braga (18.03.1961) e toda uma vasta produção posterior, que tem um duplo e importantíssimo objectivo.
Por um lado, aquele da recolha etnográfica de temas tradicionais, passados informalmente de geração em geração, e por isso em perigo de se perderem; a sua fixação qualificada na pauta musical, e os arranjos que lhes fez posteriormente, adquirem assim um valor de conservação histórica, mas também o de inspiração de obras inovativas, na linha do que fizeram os maiores compositores portugueses do século XX. Por outro lado, e aqui se revela um generoso aspecto pedagógico e de incentivo das artes, as obras do Maestro eram feitas com o intuito de serem executadas, independentemente das capacidades técnicas dos executantes. Por isso, por longos anos, toda a sua produção foi considerada “menor”, associada redutoramente às suas numerosas composições para banda e para a liturgia. Um artista de grande fôlego criativo, mas que nunca se coibiu de escrever música para todos, de qualificar a vida dos mais humildes com a sua música, dedicando-lha e oferecendo-lha.
O encontro com Santo António dos Portugueses permitiu a Joaquim dos Santos, também neste capítulo, dar mostra da sua imensa capacidade inventiva, ilustrada e popular em simultâneo. Os responsórios para coro e órgão “Christus factus est” e “Crucem tuam” trazidos pelo Ançã-ble em 2001, o “Prologus, 6 Impressões musicais do Evangelho de S. João” executados pelas pianistas Ana Telles em 2002 e Rosa Villar Córdova em 2003, ou as 4 canções populares portuguesas (“Ó tia Aninhas”, andantino, “Espadeladas”, moderato assai, “Debaixo da oliveira”, andante cantabile e “O ratinho malcriado”, allegro grazioso) tocadas pelo Quintetto Metamorphosis em 2004 são disto exemplo. Pondo em destaque as raízes populares, eles são sem dúvida peças de música erudita, interpretada por instrumentos eruditos, em ambiente e para um público erudito.
Mas o encontro com a igreja nacional de Roma, feito através do seu reitor, Monsenhor Agostinho da Costa Borges, com quem estabeleceu rapidamente uma amizade profunda, constituiu em muitos outros aspectos um momento altíssimo na carreira de Joaquim dos Santos. Este fez-se através de Isaías Hipólito, aluno de Joaquim dos Santos no Seminário Conciliar de Braga, que orientara como organista e director os serviços litúrgicos da igreja de Santo António dos Portugueses, enquanto estudava em Roma, no final da década de 90.
A sua primeira obra executada na via dei Portoghesi foi, a 10 de Junho de 2000, “Lamentações do Profeta Jeremias”, pela então denominada Capela Musical de Santo António dos Portugueses, dirigida pelo Maestro Massimo Scapin. Assim se iniciava uma colaboração intensa, que não só o induziu a criar obras propositadamente para a igreja dos Portugueses, mas a fazê-lo muitas vezes em ocasiões de especial relevância dentro da agenda cultural da instituição, como fossem os dias de Portugal e das Comunidades Portuguesas, na festa do patrono, Santo António, ou nas celebrações da Imaculada Conceição.
Quatro anos após a sua estreia em Santo António, pelo dia de Portugal, Joaquim dos Santos trouxe em primeira audição um “Concerto per pianoforte ed orchestra”, executado por Ana Telles e pela Orchestra Nuova Amadeus dirigidas pelo Maestro Jean-Sébastien Béreau – um desafio lançado directamente pela pianista e pelo maestro ao compositor, que o aceitou. Para celebrar o patrono da igreja compôs a cantata “Santo António dos Portugueses”, em 2002 (com a participação do barítono Ettore Nova e a direcção de Anne Randine Overrby), a sinfonia “Roma Eterna”, em 2003 (direcção de Ovidiu Dan Chirila), e o “Concerto para violino e orquestra”, em 2005 (com o jovem Emanuel Salvador). Enfim, por ocasião da Imaculada Conceição, vieram a cena “A Noiva do Marão” em 2000, “Carmen Fatimale” e “Arma virosque” em 2005, “Le forme dello spirito”, em 2006 e o “Concerto per violoncello e orchestra”, em 2007 (com o violoncelista Simonpietro Cussino).
Estes e outros artistas que executaram obras de Joaquim dos Santos – e muitos houve para quem o Maestro escreveu propositadamente, tais como Giampaolo Di Rosa, Vítor Matos e Domingos Castro para não repetir nomes – recordam como na vida do Maestro música e amizade andassem a par: tantas amizades nascidas através da música e tanta música inspirada pelas amizades. A generosidade que o distinguia transpunha-se para a pauta; de facto, são propositadamente reduzidas as suas notações agógicas, dando oportunidade aos músicos de participarem na sua criação artística, interpretando mais livre e individualmente as linhas máximas da melodia que compusera. A música era princípio e fim e veículo das suas emoções, e por isso lhe era fácil fazer amizades através da música.
E talvez porque pusesse “a sua alma de sacerdote em cada coisa que fazia”, como costumava dizer, a música (princípio e fim e veículo das emoções) era matéria do seu máximo rigor e respeito enquanto expressão de uma inspiração divina, a “corda tensa” por onde passavam os dedos de Deus. E era assim que o seu trabalho se desenvolvia, amorosa e aturadamente, matutino, quotidiano, grave, ao som das águas correntes que atravessam os fundamentos da casa paterna, no seu escritório debruçado sobre o verde total do Minho, o Tâmega a correr em baixo e ao fundo a “Noiva do Marão”, o Santuário de Nossa Senhora da Graça, que lhe inspirou em 99 a magnífica cantata. O trabalho a par das orações que fazia regular e canonicamente, na capela dessa mesma casa
Em Roma permanece a recordação quase meia centena de obras apresentadas em oito anos, a maioria das quais em estreia absoluta em Santo António dos Portugueses, compostas propositadamente para esta igreja e para os seus artistas, a um ritmo admirável e inspirado, como se nele houvesse a percepção de que o tempo era escasso e precioso. Meia centena de obras correspondentes a cerca de trinta deslocações do compositor e de sua irmã à via dei Portoghesi, onde se sentiam bem, como em casa própria. Concertos que não esquecemos, em que não esquecemos esse grande homem, simples e genial, que falava com o seu sorriso."
por Francisco de Almeida Dias
Roma, Julho de 2008
Roma, Julho de 2008