Dr. Joaquim dos Santos: a música no coração...
O Dr. Joaquim Gonçalves dos Santos é quase um ilustre desconhecido em Cabeceiras de Basto, não obstante as suas múltiplas actividades e ser um mestre, um expoente nacional em composição musical, canto gregoriano e ‘mais umas coisitas’.
Nasceu em Vilela, freguesia de Riodouro, a 13 de Abril de 1936, segundo filho do casal, o pai da Casa da Casinha de Moimenta – Cavês e a mãe da Casa do Torno, de Vilela.
Desde os cinco, seis meses, viveu em Moimenta, onde criou as suas raízes, onde frequentou a escola primária, recordando ainda as suas professoras e nomeadamente a da quarta classe, a D. Aninhas de Rabiçais – Moimenta (D. Ana Barroso de Carvalho). Concluído o ensino primário fez a admissão ao Seminário de Braga, onde ingressou em 1950 e aí permaneceu até 1962, ‘sem perder nenhum ano’ e abraçar a vida sacerdotal.
Da escola primária recorda com emoção as diferenças sociais existentes, já que, ‘sendo filho de lavradores, vivia bem para essa altura’. Recorda ainda o dia em que andando ‘à bulha, junto ao cruzeiro (muito bonito), com um colega, zombei dele’ e tendo-o magoado ficou ‘cheio de pena, nem sequer imaginam, porque ele era pobre e eu se calhar era rico…’
A paixão pela música começou em pequenino. O pai, seguindo o exemplo, também de seu pai, que tocava flauta na Banda Cabeceirense, dedicava-se à harmónica e à guitarra e cantava um ‘solidó qualquer, um fadozinho, e eu e a minha irmã ficávamos a ouvi-lo. A música entrava em nós…, era linda…, linda!...’
Aquando da primeira comunhão, que recorda com ‘saudade e carinho’, ouviu pela primeira vez um organista com atenção. Era uma ‘harmonia tão linda, tão linda: «Meu Deus eu creio, adoro e amo-vos!»
Porém, a sua vocação musical só terá verdadeiro sentido quando entrou para o Seminário e pela mão do grande compositor e músico, o Dr. Manuel Faria, iniciou uma carreira cheia de êxitos e de recordações.
Dele disse o Dr. Manuel Faria: ‘Aquele rapaz tem caco!’
Assim o demonstrou ao longo da sua vida.
Escolheu a vida eclesiástica. Teve as suas dúvidas, ‘não haverá ninguém que não tenha dúvidas, mas fiz a minha opção’.
Foi ordenado sacerdote na Sé de Braga, em 15 de Agosto de 1962 e, ao contrário do que é habitual, celebrou Missa Nova em Fátima.
A Missa Nova ‘é uma festa muito grande, com muitos convidados, com muitas prendas, mas não quis assim. Tinha a obrigação de fazer qualquer coisa de diferente. Sem nada disso. Tinha de agradecer a Nossa Senhora de Fátima que me marcou intensamente’.
Mais, o que é e fez deve ‘absolutamente tudo ao Seminário e aos excelentes professores’ que teve.
Depois de ordenado, ingressou no Seminário de Santiago, em Braga, como professor de música, tendo no ano seguinte, ido para Roma, o marco da sua vida, por indicação do seu mestre Dr. Manuel Faria, para se doutorar em música.
Foram seis anos inesquecíveis. ‘Não se passa um dia da minha vida que eu não recorde o tempo que lá passei.’
Aí se doutorou em composição musical, em canto gregoriano e ‘mais umas coisitas’. Sempre com a sua simplicidade, o seu entusiasmo, o seu estudo e trabalho, levaram-no a frequentar o Conservatório de Santa Cecília, em Roma, que é o melhor do mundo, e até obteve um prémio num concurso alemão.
Um dos grandes marcos da sua estadia em Roma foi ter o privilégio de conhecer pessoalmente o compositor Igor Stravinsky, primeiro num concerto na ‘Igreja linda de Santa Maria Sopra Minerva, no centro velhinho de Roma’ e mais tarde, conjuntamente com o Papa Paulo VI, tendo-lhe então oferecido um livro seu e feito uma dedicatória.
Regressado a Portugal, continuou a sua missão de professor, no Colégio S. Miguel de Refojos e na Escola Preparatória, hoje Escola EB 2.3 de Cabeceiras.
Sente-se ‘realizado ao tratar com crianças, embora seja um pouco antigo na forma de ensinar, mas actualizado no ensino da música’. Lamenta, porém, a falta ‘de muitas coisas, não corre tudo como gostaríamos. As crianças têm muitos vícios, têm grande dependência das coisas da televisão, coisas sem sentido’.
Aqui, o Dr. Santos refere que gosta de ‘toda a música, da música boa, da que tem qualidade’. Porém, ‘há tanta música que não é música nenhuma…, mas nenhuma é uma massinha. Não é mais nada. Barulho…só ruído’…
Paralelamente às actividades docentes, o Dr. Santos dedicou-se ainda ao Grupo de S. Miguel, à Banda Cabeceirense e ao seu Grupo Coral, para além da composição e dos concertos que tem escrito e realizado um pouco por todo o lado.
Lamenta, com a sua simplicidade, ‘não consigo calar nem disfarçar’, não poder tocar mais, mas ‘falta dinheiro e poderes, para haver concertos mais vezes, já que um concerto custa muito dinheiro e empenho’.
Do Grupo Coral ficou uma cassete gravada e a recordação dos muitos concertos e actuações realizadas. Da Banda, onde entrou ‘pela mão do Sr. Jaiminho da Freira’, refere que é ‘uma família com os músicos,… grandes músicos com quem gostei de trabalhar’. Refere ainda o trabalho realizado com o coral da Banda, a partir de um grupo de ‘meia dúzia a cantar e a tocar nas missas’.
Fazendo um balanço da vida, diz: ‘ A vida é feita de tudo. Momentos com muitas palmas e até raminhos de flores, outras com coisas que não foram conseguidas. Se calhar mais baixos que altos.’
A escolha do Dr. Santos, quanto às personagens que o marcaram, não podiam deixar de ser músicos, mas também seus professores: Dr. Manuel Faria, em Portugal e Armando Rensi, em Itália, aquele de que diz: ‘Quem me deu tudo.’
Por fim refere que hoje ‘há facilidade tão grande, tão grande, de ouvir música, basta carregar num botão’. É preciso ‘é ter qualidade’. Mas o mais importante é ‘fazer música por si, num teclado, numas cordas, ser eu que toco’.
Com ‘o botãozinho não tem valor, o mérito e valor está na felicidade muito grande de quem a faz, de quem a vive, de quem a sofre’.
‘A música tem de ser sofrida, ser a própria vida.’
Por isso recomenda que a ‘música seja feita pela nossa juventude’, porque ‘no comércio da música o ganho é para os outros’.
E conclui: ‘Só o que é feito por nós nos dá mais alegria e felicidade’.
Paulo Ramos, Tozé Moura e Mário Leite. Jornal Fórum Cabeceirense, 1 de Julho de 1997
Nasceu em Vilela, freguesia de Riodouro, a 13 de Abril de 1936, segundo filho do casal, o pai da Casa da Casinha de Moimenta – Cavês e a mãe da Casa do Torno, de Vilela.
Desde os cinco, seis meses, viveu em Moimenta, onde criou as suas raízes, onde frequentou a escola primária, recordando ainda as suas professoras e nomeadamente a da quarta classe, a D. Aninhas de Rabiçais – Moimenta (D. Ana Barroso de Carvalho). Concluído o ensino primário fez a admissão ao Seminário de Braga, onde ingressou em 1950 e aí permaneceu até 1962, ‘sem perder nenhum ano’ e abraçar a vida sacerdotal.
Da escola primária recorda com emoção as diferenças sociais existentes, já que, ‘sendo filho de lavradores, vivia bem para essa altura’. Recorda ainda o dia em que andando ‘à bulha, junto ao cruzeiro (muito bonito), com um colega, zombei dele’ e tendo-o magoado ficou ‘cheio de pena, nem sequer imaginam, porque ele era pobre e eu se calhar era rico…’
A paixão pela música começou em pequenino. O pai, seguindo o exemplo, também de seu pai, que tocava flauta na Banda Cabeceirense, dedicava-se à harmónica e à guitarra e cantava um ‘solidó qualquer, um fadozinho, e eu e a minha irmã ficávamos a ouvi-lo. A música entrava em nós…, era linda…, linda!...’
Aquando da primeira comunhão, que recorda com ‘saudade e carinho’, ouviu pela primeira vez um organista com atenção. Era uma ‘harmonia tão linda, tão linda: «Meu Deus eu creio, adoro e amo-vos!»
Porém, a sua vocação musical só terá verdadeiro sentido quando entrou para o Seminário e pela mão do grande compositor e músico, o Dr. Manuel Faria, iniciou uma carreira cheia de êxitos e de recordações.
Dele disse o Dr. Manuel Faria: ‘Aquele rapaz tem caco!’
Assim o demonstrou ao longo da sua vida.
Escolheu a vida eclesiástica. Teve as suas dúvidas, ‘não haverá ninguém que não tenha dúvidas, mas fiz a minha opção’.
Foi ordenado sacerdote na Sé de Braga, em 15 de Agosto de 1962 e, ao contrário do que é habitual, celebrou Missa Nova em Fátima.
A Missa Nova ‘é uma festa muito grande, com muitos convidados, com muitas prendas, mas não quis assim. Tinha a obrigação de fazer qualquer coisa de diferente. Sem nada disso. Tinha de agradecer a Nossa Senhora de Fátima que me marcou intensamente’.
Mais, o que é e fez deve ‘absolutamente tudo ao Seminário e aos excelentes professores’ que teve.
Depois de ordenado, ingressou no Seminário de Santiago, em Braga, como professor de música, tendo no ano seguinte, ido para Roma, o marco da sua vida, por indicação do seu mestre Dr. Manuel Faria, para se doutorar em música.
Foram seis anos inesquecíveis. ‘Não se passa um dia da minha vida que eu não recorde o tempo que lá passei.’
Aí se doutorou em composição musical, em canto gregoriano e ‘mais umas coisitas’. Sempre com a sua simplicidade, o seu entusiasmo, o seu estudo e trabalho, levaram-no a frequentar o Conservatório de Santa Cecília, em Roma, que é o melhor do mundo, e até obteve um prémio num concurso alemão.
Um dos grandes marcos da sua estadia em Roma foi ter o privilégio de conhecer pessoalmente o compositor Igor Stravinsky, primeiro num concerto na ‘Igreja linda de Santa Maria Sopra Minerva, no centro velhinho de Roma’ e mais tarde, conjuntamente com o Papa Paulo VI, tendo-lhe então oferecido um livro seu e feito uma dedicatória.
Regressado a Portugal, continuou a sua missão de professor, no Colégio S. Miguel de Refojos e na Escola Preparatória, hoje Escola EB 2.3 de Cabeceiras.
Sente-se ‘realizado ao tratar com crianças, embora seja um pouco antigo na forma de ensinar, mas actualizado no ensino da música’. Lamenta, porém, a falta ‘de muitas coisas, não corre tudo como gostaríamos. As crianças têm muitos vícios, têm grande dependência das coisas da televisão, coisas sem sentido’.
Aqui, o Dr. Santos refere que gosta de ‘toda a música, da música boa, da que tem qualidade’. Porém, ‘há tanta música que não é música nenhuma…, mas nenhuma é uma massinha. Não é mais nada. Barulho…só ruído’…
Paralelamente às actividades docentes, o Dr. Santos dedicou-se ainda ao Grupo de S. Miguel, à Banda Cabeceirense e ao seu Grupo Coral, para além da composição e dos concertos que tem escrito e realizado um pouco por todo o lado.
Lamenta, com a sua simplicidade, ‘não consigo calar nem disfarçar’, não poder tocar mais, mas ‘falta dinheiro e poderes, para haver concertos mais vezes, já que um concerto custa muito dinheiro e empenho’.
Do Grupo Coral ficou uma cassete gravada e a recordação dos muitos concertos e actuações realizadas. Da Banda, onde entrou ‘pela mão do Sr. Jaiminho da Freira’, refere que é ‘uma família com os músicos,… grandes músicos com quem gostei de trabalhar’. Refere ainda o trabalho realizado com o coral da Banda, a partir de um grupo de ‘meia dúzia a cantar e a tocar nas missas’.
Fazendo um balanço da vida, diz: ‘ A vida é feita de tudo. Momentos com muitas palmas e até raminhos de flores, outras com coisas que não foram conseguidas. Se calhar mais baixos que altos.’
A escolha do Dr. Santos, quanto às personagens que o marcaram, não podiam deixar de ser músicos, mas também seus professores: Dr. Manuel Faria, em Portugal e Armando Rensi, em Itália, aquele de que diz: ‘Quem me deu tudo.’
Por fim refere que hoje ‘há facilidade tão grande, tão grande, de ouvir música, basta carregar num botão’. É preciso ‘é ter qualidade’. Mas o mais importante é ‘fazer música por si, num teclado, numas cordas, ser eu que toco’.
Com ‘o botãozinho não tem valor, o mérito e valor está na felicidade muito grande de quem a faz, de quem a vive, de quem a sofre’.
‘A música tem de ser sofrida, ser a própria vida.’
Por isso recomenda que a ‘música seja feita pela nossa juventude’, porque ‘no comércio da música o ganho é para os outros’.
E conclui: ‘Só o que é feito por nós nos dá mais alegria e felicidade’.
Paulo Ramos, Tozé Moura e Mário Leite. Jornal Fórum Cabeceirense, 1 de Julho de 1997