para ouvir... "Tormenta" - poemas do Mar, Miguel Torga - Ançãble
Tormenta. Noite medonha, aquela! O mar, tanto engolia a caravela, Como a exibia à tona, desmaiada! No abismo do céu, nem uma estrela! E a Cruz de Cristo, a agonizar na vela, Suava sangue sem poder mais nada! A fúria cega dum tufão raivoso Vinha das trevas desse Tenebroso E varria a quimera do convés... O mastro grande que Leiria deu Era um homem de pinho, mas caiu Quando um raio o abriu de lés a lés... Novo guarda dos rumos da Nação, O piloto guiava à perdição Como um pai os destinos do seu lar... Até que o lar inteiro se desfez. Até que ao pai chegou também a vez De fazer uma prece e descansar... O gajeiro sem gávea, dessa altura Que a alma atinge ao rés da sepultura, Olhou ainda a bruma em desafio... Mas a Sereia Negra que cantava No coração do mar, tanto chamava, Que ele deu-lhe aquele olhar cansado e frio. O naufrágio alargou-se ao mundo inteiro. E o corpo morto de um herói, primeiro Cruzado da unidade deste mundo, No dorso frio duma onda irada, Mandou aos mortos, com a mão na espa...