A Música ao serviço do diálogo inter-religioso
Foi o Papa Paulo VI que na sua encíclica Ecclesiam Suam, encíclica programática do seu pontificado, abriu na Igreja e à Igreja os caminhos do diálogo, dos 5 diálogos: interno (entre todos os que formam o Povo de Deus), ecuménico (com as igrejas cristãs, igrejas irmãs), inter-religioso (que abraça as religiões não cristãs, monoteístas [judaísmo e islamismo] ou não [budismo, hinduísmo, confucionismo, animismo…]), e os não crentes, quer aqueles que “cultivem os altos valores do espírito humano, sem ainda não reconhecerem o seu autor” quer “aqueles que se opõem à Igreja e de várias maneiras a perseguem” (cfr. Gaudium et Spes, 92).
As vias deste diálogo são teológicos através dos encontros das comissões que promovem o debate doutrinal, e passam pela experiência do amor recíproco, da oração e da acção em comum em prol das grandes causas da humanidade e pela estética, a criação artística. O Venerável João XXIII, o Bom Papa, que convocou o concílio, traçara as coordenadas do espírito em que tudo deveria vir a realizar-se: “Nos nossos dias, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade […] A Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio Ecuménico o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade com os filhos dela separados” (Discurso de inauguração do Concílio, 11-10-1962). A eclesiologia de comunhão da Constituição dogmática Lumen Gentium consagrou, no meio de algumas resistências que o Espírito acabou por vencer e convencer, o diálogo como forma de ser e servir a Igreja.
O mundo da cultura mereceu uma atenção particular (Gaudium et Spes, nº 53-62) e na Mensagem (final) do Concílio à Humanidade os Padres conciliares destacaram a missão dos artistas, logo a seguir aos governantes e aos homens de pensamento e de ciência: “Para todos vós, agora, artistas, que sois prisioneiros da beleza e trabalhais para ela: poetas e letrados, pintores, escultores, arquitectos, músicos, homens do teatro, cineastas… A todos vós, a Igreja do Concílio afirma pela nossa voz: se sois os amigos da autêntica arte, sois nossos amigos. Desde há muito que a Igreja se aliou convosco […] Tendes ajudado a Igreja a transmitir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a tornar perceptível o mundo invisível”. Tudo isto aconteceu em Dezembro de 1965. No ano seguinte, Paulo VI patrocina um concerto em que foram interpretadas obras de quatro compositores: um judeu, um protestante, um ortodoxo e um católico. Nessa sala estava presente como ouvinte e observador atento o então aluno do Instituto Pontifício de Música Sacra, Pe. Joaquim dos Santos, de Cabeceiras de Basto, Arquidiocese de Braga. Ainda hoje conserva no seu espólio a Sinfonia dos Salmos com a assinatura do autor Igor Stravinsky, que dirigiu esta sua obra nessa ocasião solene e prenunciadora da sagração de uma nova Primavera para a Igreja!
Volvidos precisamente 40 anos (1966-2006), o Maestro Joaquim dos Santos, num percurso criativo, longo e pacientemente fiel às inspirações do Concílio, acaba de apresentar na Igreja de Santo António dos Portugueses, a obra Le forme dello Spirito, um poema sacro para tenor solista, coro feminino e orquestra.
Trata-se de uma obra ousada nas suas formas, nos textos escolhidos, na sequência do paratexto (dos títulos das três parte) e surpreendente, da surpresa do Papa João que anteviu o Concílio como “o amanhecer do dia tão esperado”. Sim, esperado no coração-sentinela do profeta, mas inesperado para todos pela potente acção do Espírito na aula conciliar.
Dividida em três partes, Le forme dello Spirito expande em sonoridades orquestrais e vocais três textos: o primeiro, escolhido das Escrituras hebraicas (de que os cristãos são herdeiros), é Isaías 41, 8-10, apresenta o “Servo de IHWH” e, naturalmente, expõe um paradigma irrecusável do judaísmo, é “Il Crepúsculo”; o segundo, chama-se “La Notte”, é um trecho da 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 4-6-10, e representa, também modelarmente, o cristianismo; e o terceiro “L’Aurora” é tirada do (Al)Corão 37, 5-9, livro sagrado do islamismo.
Soube ter causado algum espanto nos responsáveis da direcção e em alguns ouvintes, interpretar em voz e orquestra, um texto sagrado do Corão numa Igreja católica, na Roma Eterna, centro da cristandade e, sobretudo, num momento de polémicas tensões que antecederam a viagem de Bento XVI à Turquia, felizmente sanadas e resolvidas. Mas é assim: a ousadia do pastor e a determinação profética do artista-compositor nem sempre são compreendidas no momento imediato mas tornam-se sementeira dum novo e inédito futuro, que o Espírito vai rasgando, apesar dos atrasos, hesitações, resistências de muita gente, inclusive de cristãos católicos!
Le forme dello Spirito merecem uma leitura demorada e atenta. Nesta breve crónica meditada gostaria apenas de comunicar algumas das minhas impressões a partir da leitura da partitura, porque, ai de mim! não tive possibilidade de usufruir da sua audição, compensada pela conversa amiga e exultante com o autor na sua “casinha” em Moimenta, Cavez, Cabeceiras de Basto.
1. O Crepúsculo, um Andante espressivo fala-me da serena paz com que o Servo de IHWH afronta as suas tribulações inauditas – é “um verme, perdeu o aspecto de homem, é uma chaga viva” – na confiança da eleição e da aliança. O Paradigma pode aplicar-se às errâncias e diásporas quase permanentes do povo judeu, de que a Shoah ou Holocausto é o grande e denso momento. E nós cristãos somos os seus “irmãos mais novos” na bela expressão de João Paulo II na visita à Sinagoga de Roma (Abril de 1987). O Crepúsculo não é o crepúsculo dos deuses de Wagner mas antes a vigília vespertina de uma espera pelo cumprimento da promessa e da profecia, ou seja, a espera do dia que está para amanhecer nos tons inesperados da noite do Gólgota.
2. A Noite diz-me a paixão sofrida de Paulo pelo seu povo, as tribulações do apóstolo, que de fariseu zeloso se tornou, por eleição graciosa de Deus, o Apóstolo das Gentes. Mas ele tem plena e clarividente consciência de que “trazemos em vasos de argila o tesouro do nosso ministério”, anuncia como sabedoria a knosis do Verbo de Deus, partilhada por Saulo, “que completa na sua carne o que falta à paixão de Cristo em favor da Igreja que é o Seu corpo” (Cl 1,24). É na noite escura, na noite do abandono, do esvaziamento da Sua condição divina, que o Cristo, Filho de Deus, o Servo, realiza a unidade do género humano, reconcilia as várias tradições religiosas. Ele é a ponte, o Sumo Pontífice. Não é por acaso que A Noite está entre o Crepúsculo e a Aurora, mesmo em termos históricos, pois o Cristianismo é herdeiro do judaísmo e o islamismo recolhe elementos das duas religiões que o precedem! Paulo é a personagem exemplar que tenta conjugar o zelo pelas tradições dos pais com o “escândalo” e a “loucura” da sabedoria do Crucificado, um Messias inesperado para as expectativas messiânicas do povo eleito. A noite, paradoxalmente, é o Dia “que o senhor fez” e no qual “exultamos de alegria”. A noite escura da Sexta-feira Santa anuncia já o esplendor da glória matinal do 1º ou 8º Dia em que a luz refulge nos corações dos discípulos desencantados e entristecidos! S. João da Cruz ensinar-nos-á mais tarde a noite escura não apenas dos sentidos mas do espírito como a passagem dolorosa para a união com Deus; a santa e filósofa Edith Stein, nascida no judaísmo e, já adulta, religiosa do carmelo, desvelará os horizontes incomensuráveis duma scientia crucis!
3. A Aurora está contida na constelação simbólica dos Orientes, do lugar onde o sol nasce. O Corão é tecido pelos numerosos nomes do Deus único, por breves narrativas que são exemplares na gestão dos símbolos e por um código ético minucioso que gera o homem crente. Talvez se possa pensar que a Aurora remete para a estrela que guia os magos, vindos do Oriente, a caminho de Belém, lugar da profecia do 1º Testamento e do acontecimento da 2ª Aliança, conjugando assim na confissão da unicidade divina a concentração da promessa e da realização.
Le forme dello Spirito é uma obra inusitada, que só poderia sair do coração, do pensamento e da caligrafia musical do Dr. Joaquim dos Santos. É uma verdadeira carta Paulina vinda do “cativeiro”, do “exílio” na “Casa da Casinha”, que traduz a epopeia de um êxodo religioso e cultural e cujos destinatários somos nós, se aceitarmos ser guiados por um Moisés para a terra da liberdade, onde desaparecem as escravaturas de todas as convenções e se cultiva a suprema arte da linguagem universal, a música, em que todos podem ver o seu rosto, encontrar a sua identidade, na igualdade da diferença e na comunhão no abismo do mistério do mundo e da história.
O Espírito assume a forma de um coro feminino, que é sugestivo porque na língua hebraica diz-se ruah, palavra de género feminino!
Os três textos, das três religiões monoteístas, são apresentados em italiano, e nesta homogeneidade linguística perde-se a supremacia de qualquer uma das religiões, porque Deus é sempre maior que as nossa palavras, mesmo quando nelas “encarna” ou as “inspira”. Creio que o diálogo, pela via estética, é o genesis e o apocalipsis de todo o percurso ao encontro das grandes religiões. E o maestro da “Casa da Casinha” é um protagonista, de primeiro plano, nesta aventura dos crentes no diálogo inter-religioso. O que está a fazer é um tesouro, oferecido na generosidade e simplicidade do autor, mas que apela a ser procurado. Os tesouros procuram-se. Nós sabemos onde estão. Por que aguardamos? Aliás, sem nenhuma culpa de quem tanto dá sem nada esperar, podem soar aos nossos ouvidos e até nas nossas praças, a denúncia profética: “dar pérolas a porcos!”
Há sinais extraordinários de projectos fantásticos ao serviço das grandes causas da humanidade. É tempo de deixar de ser cego, surdo, mudo; é tempo de não nos perdermos em questiúnculas efémeras e de abrir o espírito ao que o Espírito diz às igrejas, na sua inesgotável morfologia!
Por Dr. Luís Esteves
Diário do Minho, 20 de Dezembro de 2006
As vias deste diálogo são teológicos através dos encontros das comissões que promovem o debate doutrinal, e passam pela experiência do amor recíproco, da oração e da acção em comum em prol das grandes causas da humanidade e pela estética, a criação artística. O Venerável João XXIII, o Bom Papa, que convocou o concílio, traçara as coordenadas do espírito em que tudo deveria vir a realizar-se: “Nos nossos dias, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade […] A Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio Ecuménico o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade com os filhos dela separados” (Discurso de inauguração do Concílio, 11-10-1962). A eclesiologia de comunhão da Constituição dogmática Lumen Gentium consagrou, no meio de algumas resistências que o Espírito acabou por vencer e convencer, o diálogo como forma de ser e servir a Igreja.
O mundo da cultura mereceu uma atenção particular (Gaudium et Spes, nº 53-62) e na Mensagem (final) do Concílio à Humanidade os Padres conciliares destacaram a missão dos artistas, logo a seguir aos governantes e aos homens de pensamento e de ciência: “Para todos vós, agora, artistas, que sois prisioneiros da beleza e trabalhais para ela: poetas e letrados, pintores, escultores, arquitectos, músicos, homens do teatro, cineastas… A todos vós, a Igreja do Concílio afirma pela nossa voz: se sois os amigos da autêntica arte, sois nossos amigos. Desde há muito que a Igreja se aliou convosco […] Tendes ajudado a Igreja a transmitir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a tornar perceptível o mundo invisível”. Tudo isto aconteceu em Dezembro de 1965. No ano seguinte, Paulo VI patrocina um concerto em que foram interpretadas obras de quatro compositores: um judeu, um protestante, um ortodoxo e um católico. Nessa sala estava presente como ouvinte e observador atento o então aluno do Instituto Pontifício de Música Sacra, Pe. Joaquim dos Santos, de Cabeceiras de Basto, Arquidiocese de Braga. Ainda hoje conserva no seu espólio a Sinfonia dos Salmos com a assinatura do autor Igor Stravinsky, que dirigiu esta sua obra nessa ocasião solene e prenunciadora da sagração de uma nova Primavera para a Igreja!
Volvidos precisamente 40 anos (1966-2006), o Maestro Joaquim dos Santos, num percurso criativo, longo e pacientemente fiel às inspirações do Concílio, acaba de apresentar na Igreja de Santo António dos Portugueses, a obra Le forme dello Spirito, um poema sacro para tenor solista, coro feminino e orquestra.
Trata-se de uma obra ousada nas suas formas, nos textos escolhidos, na sequência do paratexto (dos títulos das três parte) e surpreendente, da surpresa do Papa João que anteviu o Concílio como “o amanhecer do dia tão esperado”. Sim, esperado no coração-sentinela do profeta, mas inesperado para todos pela potente acção do Espírito na aula conciliar.
Dividida em três partes, Le forme dello Spirito expande em sonoridades orquestrais e vocais três textos: o primeiro, escolhido das Escrituras hebraicas (de que os cristãos são herdeiros), é Isaías 41, 8-10, apresenta o “Servo de IHWH” e, naturalmente, expõe um paradigma irrecusável do judaísmo, é “Il Crepúsculo”; o segundo, chama-se “La Notte”, é um trecho da 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 4-6-10, e representa, também modelarmente, o cristianismo; e o terceiro “L’Aurora” é tirada do (Al)Corão 37, 5-9, livro sagrado do islamismo.
Soube ter causado algum espanto nos responsáveis da direcção e em alguns ouvintes, interpretar em voz e orquestra, um texto sagrado do Corão numa Igreja católica, na Roma Eterna, centro da cristandade e, sobretudo, num momento de polémicas tensões que antecederam a viagem de Bento XVI à Turquia, felizmente sanadas e resolvidas. Mas é assim: a ousadia do pastor e a determinação profética do artista-compositor nem sempre são compreendidas no momento imediato mas tornam-se sementeira dum novo e inédito futuro, que o Espírito vai rasgando, apesar dos atrasos, hesitações, resistências de muita gente, inclusive de cristãos católicos!
Le forme dello Spirito merecem uma leitura demorada e atenta. Nesta breve crónica meditada gostaria apenas de comunicar algumas das minhas impressões a partir da leitura da partitura, porque, ai de mim! não tive possibilidade de usufruir da sua audição, compensada pela conversa amiga e exultante com o autor na sua “casinha” em Moimenta, Cavez, Cabeceiras de Basto.
1. O Crepúsculo, um Andante espressivo fala-me da serena paz com que o Servo de IHWH afronta as suas tribulações inauditas – é “um verme, perdeu o aspecto de homem, é uma chaga viva” – na confiança da eleição e da aliança. O Paradigma pode aplicar-se às errâncias e diásporas quase permanentes do povo judeu, de que a Shoah ou Holocausto é o grande e denso momento. E nós cristãos somos os seus “irmãos mais novos” na bela expressão de João Paulo II na visita à Sinagoga de Roma (Abril de 1987). O Crepúsculo não é o crepúsculo dos deuses de Wagner mas antes a vigília vespertina de uma espera pelo cumprimento da promessa e da profecia, ou seja, a espera do dia que está para amanhecer nos tons inesperados da noite do Gólgota.
2. A Noite diz-me a paixão sofrida de Paulo pelo seu povo, as tribulações do apóstolo, que de fariseu zeloso se tornou, por eleição graciosa de Deus, o Apóstolo das Gentes. Mas ele tem plena e clarividente consciência de que “trazemos em vasos de argila o tesouro do nosso ministério”, anuncia como sabedoria a knosis do Verbo de Deus, partilhada por Saulo, “que completa na sua carne o que falta à paixão de Cristo em favor da Igreja que é o Seu corpo” (Cl 1,24). É na noite escura, na noite do abandono, do esvaziamento da Sua condição divina, que o Cristo, Filho de Deus, o Servo, realiza a unidade do género humano, reconcilia as várias tradições religiosas. Ele é a ponte, o Sumo Pontífice. Não é por acaso que A Noite está entre o Crepúsculo e a Aurora, mesmo em termos históricos, pois o Cristianismo é herdeiro do judaísmo e o islamismo recolhe elementos das duas religiões que o precedem! Paulo é a personagem exemplar que tenta conjugar o zelo pelas tradições dos pais com o “escândalo” e a “loucura” da sabedoria do Crucificado, um Messias inesperado para as expectativas messiânicas do povo eleito. A noite, paradoxalmente, é o Dia “que o senhor fez” e no qual “exultamos de alegria”. A noite escura da Sexta-feira Santa anuncia já o esplendor da glória matinal do 1º ou 8º Dia em que a luz refulge nos corações dos discípulos desencantados e entristecidos! S. João da Cruz ensinar-nos-á mais tarde a noite escura não apenas dos sentidos mas do espírito como a passagem dolorosa para a união com Deus; a santa e filósofa Edith Stein, nascida no judaísmo e, já adulta, religiosa do carmelo, desvelará os horizontes incomensuráveis duma scientia crucis!
3. A Aurora está contida na constelação simbólica dos Orientes, do lugar onde o sol nasce. O Corão é tecido pelos numerosos nomes do Deus único, por breves narrativas que são exemplares na gestão dos símbolos e por um código ético minucioso que gera o homem crente. Talvez se possa pensar que a Aurora remete para a estrela que guia os magos, vindos do Oriente, a caminho de Belém, lugar da profecia do 1º Testamento e do acontecimento da 2ª Aliança, conjugando assim na confissão da unicidade divina a concentração da promessa e da realização.
Le forme dello Spirito é uma obra inusitada, que só poderia sair do coração, do pensamento e da caligrafia musical do Dr. Joaquim dos Santos. É uma verdadeira carta Paulina vinda do “cativeiro”, do “exílio” na “Casa da Casinha”, que traduz a epopeia de um êxodo religioso e cultural e cujos destinatários somos nós, se aceitarmos ser guiados por um Moisés para a terra da liberdade, onde desaparecem as escravaturas de todas as convenções e se cultiva a suprema arte da linguagem universal, a música, em que todos podem ver o seu rosto, encontrar a sua identidade, na igualdade da diferença e na comunhão no abismo do mistério do mundo e da história.
O Espírito assume a forma de um coro feminino, que é sugestivo porque na língua hebraica diz-se ruah, palavra de género feminino!
Os três textos, das três religiões monoteístas, são apresentados em italiano, e nesta homogeneidade linguística perde-se a supremacia de qualquer uma das religiões, porque Deus é sempre maior que as nossa palavras, mesmo quando nelas “encarna” ou as “inspira”. Creio que o diálogo, pela via estética, é o genesis e o apocalipsis de todo o percurso ao encontro das grandes religiões. E o maestro da “Casa da Casinha” é um protagonista, de primeiro plano, nesta aventura dos crentes no diálogo inter-religioso. O que está a fazer é um tesouro, oferecido na generosidade e simplicidade do autor, mas que apela a ser procurado. Os tesouros procuram-se. Nós sabemos onde estão. Por que aguardamos? Aliás, sem nenhuma culpa de quem tanto dá sem nada esperar, podem soar aos nossos ouvidos e até nas nossas praças, a denúncia profética: “dar pérolas a porcos!”
Há sinais extraordinários de projectos fantásticos ao serviço das grandes causas da humanidade. É tempo de deixar de ser cego, surdo, mudo; é tempo de não nos perdermos em questiúnculas efémeras e de abrir o espírito ao que o Espírito diz às igrejas, na sua inesgotável morfologia!
Por Dr. Luís Esteves
Diário do Minho, 20 de Dezembro de 2006